quinta-feira, 30 de abril de 2009

Análise_Feito Mágica


Feito mágica

Ao vencer o desafio da bagunça e colocar um pouco de ordem no seu dia-a-dia, você ganha tempo, espaço, energia e liberdade para se dedicar àquilo de que mais gosta

Mais energia¬_Mais especo_Mais tempo_Mais liberdade

Autor da famosa canção erótica “Je T’Aime,Moi Non Plus”, o boêmio compositor francês Serge Gainsbourg era a imagem do desleixo: cabelo desgrenhado, barba por fazer, um copo de licor Pastis na mão e um cigarro Gitanes na outra.O enfant terrible do pop francês fumava cinco maços de cigarro por dia, tomava porres homéricos e chegou a ser preso uma vez, por incendiar um restaurante. Em outras palavras, Gainsbourg era o caos feito pessoa.Dentro de casa, no entanto, ele tinha uma verdadeira obsessão pela ordem.Na residência número 5 da Rue de Verneuil, no bairro de St.-Germain, em Paris, tudo tinha que estar impecável, cada coisa no seu devido lugar, seguindo à risca as regras estipuladas por ele. Os cômodos da casa eram pintados de preto. A cor também estava presente no chão de mármore, na lareira, no sofá e no piano Steinbeck.Até o mordomo era negro. Para Gainsbourg, a cor preta tinha um efeito tranqüilizador. “Ele dizia que tinha uma bagunça tão grande dentro da cabeça que não conseguia tolerar a falta de ordem à sua frente. Ele teria enlouquecido”, conta Jane Birkin, durante anos musa e companheira do compositor, no livro Serge Gainsbourg –

Um Punhado de Gitanes.

Assim como Gainsbourg, todos nós precisamos de um pouco de ordem na vida. Isso é o que torna nossa existência viável. É como os trilhos de um trem. Se não estiverem muito bem encaixados e ordenados, o trem descarrila. Agora, se estiver tudo no lugar certo, chegamos ao nosso destino final e, mais que isso, ainda apreciamos as paisagens que surgem durante o caminho. Parece tudo muito poético, mas sem nenhuma utilidade prática? Pois saiba que ela existe, sim, já que algo muito semelhante acontece em nosso cotidiano. Quanto mais nos organizamos (quanto mais os trilhos estão em ordem), mais ganhamos tempo, espaço, energia e liberdade para nos direcionarmos àquilo que realmente nos interessa (chegar ao lugar certo) e nos dá prazer (curtir a paisagem). É muito comum a gente reclamar de não ter tempo de ir ao cinema, realizar uma atividade física ou sair com os amigos, tamanha é a quantidade de trabalho, contas para pagar e obrigações familiares a cumprir. De fato, o mundo está cada vez mais exigente e complicado. Mas vai continuar dessa maneira. Portanto, o melhor a fazer é aprender a lidar com ele. E, com um pouco de organização, tudo fica mais fácil.

Por causa da bagunça,muitas vezes perdemos tempo, dinheiro e paz de espírito com coisas absolutamente desnecessárias. Quem nunca entrou em pânico por não conseguir encontrar um documento importante? Quem nunca teve que pagar multa – e ainda correu o risco de ter a linha cortada – por se esquecer de pagar a conta de telefone? Todo mundo já passou, uma vez ou outra, por situações como essas. Até aí, tudo bem. O problema é quando situações assim passam a ser tão freqüentes que tomam conta da nossa vida. “Os muito desorganizados sofrem muito. É como ter um vírus que vai se alastrando. Começa com um problema aqui, passa a afetar outra área ali, vai crescendo e, quando vê, a pessoa perdeu o controle da situação”, diz Kelley Lara, palestrante da OZ! Sistemas de Organização, que dá cursos e presta assessoria na área. No ambiente de trabalho, por exemplo, um dos custos da bagunça é a menor produtividade. O desorganizado demora mais para encontrar o que precisa em meio à montanha de papelada, correspondência velha e até lixo espalhado pela sua mesa. Por causa da bagunça (física e mental), muitas vezes ele tem que refazer uma mesma tarefa e não é visto como confiável pelo chefe, já que tem dificuldade para cumprir prazos. Pior ainda: vira alvo de gozações por parte dos colegas. “Tudo isso abala a auto-estima da pessoa, que fica ansiosa, insegura e se sente incompetente. Em casos extremos, pode levar à depressão”, diz Kelley. O contrário também pode ser dito: em muitos casos de depressão, as características de organização de cada pessoa lentamente se deterioram.

Mais energia

O que fazer então para colocar um pouco de ordem no dia-a-dia? E, afinal, o que significa se organizar? “Organizar- se é controlar a própria vida, escolher as prioridades, determinar o que é realmente importante e livrar-se do que é excessivo”, resume a expert norte-americana Donna Smallin, que escreveu três livros sobre o assunto, entre eles o Organize-se. É claro que não existe uma forma única de organização perfeita.Mas os especialistas dão algumas dicas que podem nos ajudar a vencer o desafio da bagunça. Você pode escolher as que são mais adequadas ao seu caso e adaptá-las de acordo com seu estilo. A solução perfeita, na verdade, é aquela que funciona melhor para você.

Os especialistas concordam que para se organizar é necessário planejamento. Com tantos estímulos disputando nossa atenção ao mesmo tempo, é muito fácil se dispersar e deixar o caos tomar conta de tudo. Mas, com planejamento, a gente poupa energia, direcionando-a apenas àquilo que é fundamental. Em termos práticos, isso significa reservar alguns minutos pela manhã para decidir o que fazer durante o dia. Para isso, basta fazer uma lista de tarefas. Simples, não? Isso evita aquele pânico tão comum de ter tantas “coisas a fazer” que a gente não sabe nem por onde começar e que é um convite à procrastinação, aquela característica de deixar tudo “para amanhã” (e esse amanhã nunca chega). Com uma visão geral do que é preciso fazer, você consegue estabelecer suas prioridades. Comece da tarefa mais importante até chegar à menos importante e vá riscando. Você vai se impressionar com a quantidade de coisas que é capaz de fazer em um só dia.

Periodicamente, coloque no papel seus objetivos de médio e longo prazo. Esses planos são sua carta de navegação, aquilo que vai ajudá-lo a manter o foco e a não gastar tempo e energia com o que não é fundamental. Com ele em mente, a cada dia você pode dar um passo a mais em direção à sua realização.Mas lembre-se: seja flexível e esteja preparado para fazer os ajustes que serão inevitáveis ao longo do percurso. Afinal, esses planos são apenas para nos auxiliar e não para nos deixar amarrados. Freqüentemente eles devem ser atualizados e, no caminho, muitos acabam sendo descartados.

Mais espaço

Não espere organizar tudo de uma vez só. Quem tem uma vida muito desorganizada não fez isso da noite para o dia e vai levar um tempo até conseguir colocá-la em ordem – e mais ainda para conseguir mantê-la organizada. Já no século 17 o filósofo francês René Descartes, autor do Discurso sobre o Método, falava da importância de, ao se estudar um fenômeno complexo, dividi-lo ao máximo em partes menores e mais simples, de forma a tornar possível entendê-lo. O mesmo método vale para arrumar nossa vida. Essa tarefa (gigantesca para muitos, sem dúvida) tem que ser feita aos poucos, realizando uma coisa de cada vez. Cada passo bem-sucedido é um estímulo para continuar nessa direção.

Que tal começar arrumando seu quarto? Isso mesmo. Simples assim.O bê-á-bá. Já reparou como nos momentos em que precisamos nos concentrar, realizar um trabalho importante, em primeiro lugar arrumamos o espaço físico ao nosso redor para então seguir em frente com nossa tarefa? Isso não é à toa.“O caos físico gera desorganização mental e vice-versa. Ao organizar o nosso espaço, nós nos organizamos mentalmente também”, diz Kelley.É como a casa arrumadinha e pintadinha de preto do nosso amigo bebum Serge Gainsbourg, personagem do início desta reportagem. Ele precisava disso para não enlouquecer com a vida caótica que levava fora. Depois do quarto, passe para a cozinha, depois para a sala, o banheiro, o escritório, o carro e tudo mais que estiver ao seu redor. Mas vá aos poucos, claro, sem grande afobação. Ou seja: muitas vezes somos desorganizados porque, uma vez, deixamos uma pequena parcela de bagunça tomar conta de algum aspecto da nossa vida. Essa primeira centelha se espalha e pronto: a balbúrdia tomou conta. Aí, até como defesa, acaba sendo natural evitar o confronto com a desorganização.

Em casa ou no trabalho, livre-se da bagunça – o excesso de coisas sem as quais você pode viver melhor. “Tenha como meta cercar-se apenas de coisas que você usa e das quais gosta e desfaça- se de tudo aquilo que só ocupa seu valioso espaço”, diz Donna. Para simplificar a vida e torná-la mais produtiva, é importante aprender a descartar, a livrar-se do que é desnecessário. No caso de roupas, por exemplo, que tal separar aquelas que você não usa mais (e que só ocupam espaço no armário e juntam poeira) para dar a quem precisa? Elas também podem render um dinheirinho extra, se você vendê-las a um brechó.O mesmo vale para livros e revistas.Guarde os que são importantes para você e doe o restante para bibliotecas públicas ou para o consultório do seu dentista.Você também pode trocá-los por outros ou até mesmo vendê-los a um sebo.

Para algumas pessoas,descartar pode ser um processo difícil e até mesmo doloroso.Muitas vezes quem acumula possui vínculos emocionais com os objetos e não consegue se livrar deles. Minha mãe, por exemplo, mesmo agora que os filhos são adultos, ainda guarda boa parte dos objetos de quando eu e os meus irmãos éramos crianças. Até mesmo os cadernos escolares! “Você pode ajudá-la oferecendo uma troca”, me aconselha Kelley.“No lugar de guardar todos os seus brinquedos de infância, por exemplo, peça a ela que escolha apenas um ou dois, os mais significativos. O restante pode ser doado”, afirma.

Às vezes uma grande mudança vira nossa vida de cabeça para baixo. Foi o que aconteceu com a administradora de empresas Cristiane Berezin, 36, quando deu à luz as gêmeas Esther e Laura há um ano e meio. “Fiquei perdida”, conta. Com depressão pós-parto, ela ficou ainda mais abalada porque suas filhas tiveram uma inflamação nos bronquíolos.“Me senti culpada”, diz Cristiane, que na época já era mãe de uma menina hoje com 4 anos. Ela também recebia nos fins de semana os filhos do casamento anterior do marido. “De repente me vi com cinco crianças para cuidar,além do meu marido, da minha casa e do meu trabalho. Era muita coisa para mim”, afirma.Aos poucos, porém, a administradora foi colocando ordem no dia-a-dia de forma a ser capaz de lidar com tantas demandas diferente. Fez terapia e se mudou de São Paulo para Atibaia, em busca de uma vida mais tranqüila. Contratou uma babá e procurou dicas de organização em sites da internet. Pediu auxílio de um serviço especializado quando se mudou de casa.“Hoje, para me organizar, faço listas no computador das compras de supermercado, feira, farmácia e utensílios para as crianças. Quando acaba o pão, já marco na lista. Coloco etiquetas nas roupas dos bebês e ensino à empregada e à babá como manter tudo organizado. Delego funções e divido também as tarefas com meu marido”, diz. “Sem tudo isso, minha vida seria um caos. É claro que às vezes algumas coisas saem erradas, mas faz parte.”

Mais tempo

Na hora da arrumação, procure estabelecer nichos específicos para cada coisa. Escolha, por exemplo, um lugar para deixar sempre a chave de casa. Outro para guardar os documentos mais importantes. Compre uma pasta para colocar todas as contas.Mas preste atenção para que essa organização seja feita de forma prática, pois, quanto mais você complica, mais difícil será mantê-la. A organização serve para facilitar a vida e não para dificultá-la.

Além do “efeito organização interna”, colocar cada coisa em seu lugar (e mantê-la ordenada) ajuda a poupar tempo, esse bem tão desejado nos nossos dias. “Ao contrário do que muita gente pensa, organizar o espaço não é uma perda de tempo. É um ganho,pois você vai saber exatamente onde estão as coisas e não vai mais perder minutos preciosos ou até mesmo horas preciosas procurando-as”, afirma a psicóloga Sâmia Simurro, vice-presidente da Associação Brasileira de Qualidade de Vida (ABQV).

Mais liberdade

É claro que regras demais são uma ameaça à criatividade, uma qualidade fundamental. No limite, podem até ser sinal de doença, como a do transtorno obsessivo compulsivo (TOC). Portanto, não vamos exagerar. Ninguém aqui quer pregar o fim da espontaneidade. Afinal, a vida não teria graça nenhuma sem ela. Algumas das mais belas canções de amor do mundo não teriam sido criadas por Gainsbourg se ele tivesse levado apenas uma vida certinha, monótona e cheia de regras. Estamos falando de uma organização que, na medida certa, serve em grande medida para simplificar nossa vida. Trata-se, na realidade,de uma forma de libertação.Uma boa síntese disso é feita pelo filósofo Mario Sergio Cortella, professor da PUC de São Paulo.Diz ele: “Tenho uma razão muito simples para ser uma pessoa organizada: gosto muito de cultivar o ócio.Quanto mais organizado eu sou, mais tempo livre eu tenho para me dedicar àquilo de que mais gosto. Ou seja, ficar sem fazer nada e sem culpa”.Um ótimo motivo, não?

Para saber mais
Livros:
• Organize-se – Soluções Simples e Fáceis para Vencer o Desafio Diário da Bagunça, Donna Smallin, Gente
• A Arte de Fazer Acontecer, David Allen, Campus

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