quinta-feira, 30 de abril de 2009

Análise_Auto-estima


Você gosta de você?

Aprenda a usar a força da verdadeira auto-estima e a distingui-la do narcisismo exagerado de nossos dias

Ingrediente fundamental¬_Auto-estima em baixa_Vem de dentro_Honestidade, enfim

Antes de começar, preciso fazer uma confissão: reescrevi esse texto antes de enviar ao editor a versão final. Durante esse processo, me chamei de incompetente e cheguei a duvidar de que seria a pessoa mais adequada para escrever sobre auto-estima. E talvez não seja mesmo. É que, apesar de me sentir uma pessoa razoavelmente confiante (repare no razoavelmente), tendo a acreditar que pessoas que exalam uma auto-estima inabalável não são gente de verdade. São personagens de cinema, como 007, na versão Sean Connery, com aquele porte decidido, bem-humorado e auto-estima de sobra para abrir um sorriso maroto de seus próprios defeitos, incluindo o péssimo hábito de assassinar a sangue frio seus inimigos. Ou Alex Owens, aquela adorável ¬ e improvável ¬ soldadora no filme Flashdance que trabalhava à noite como dançarina até conseguir uma vaga em um renomado conservatório de balé clássico. Daí que, quando deparo com livros de autoajuda ou pastores na TV com frases do tipo “Você é especial” ou “Deus te ama”, me lembro logo daquelas propagandas de banco que juram que sou um cliente vip, gold, premium, prime. Não somos todos especiais, afinal? Deus, por acaso, vai deixar lá de amar alguém?

Por outro lado, me incomoda também o péssimo hábito dos brasileiros de enaltecerem excessivamente a humildade e tacharem de arrogantes e metidas todas as pessoas bem-sucedidas, fazendo inclusive com que elas se sintam constrangidas com o sucesso. Uma pesquisa concluída no fim do ano passado pela International Stress Management Association (ISMA-BR) constatou que 59% dos brasileiros sofrem de auto-estima baixa (contra 27% dos franceses e 22% dos americanos). Segundo afirmou a psicóloga Ana Maria Rossi, coordenadora do estudo, o resultado pode ser oriundo também da nossa mania atávica de condenar quem costuma se vangloriar de suas realizações, fazendo com que acreditemos que não somos merecedores por nossos maiores feitos e conquistas. Se um jogador de futebol se mostra confiante de sua qualidade e habilidade, ele naturalmente corre o risco de ser chamado de “mascarado”. Se alguém é promovido rapidamente na empresa, mesmo que exclusivamente por mérito próprio, haverá logo um grupo de pessoas ou amigos apontando como essa pessoa “mudou” desde que assumiu o novo cargo. Ou seja: entre nós, a segurança pode agredir.

Talvez seja por isso que sempre achei difícil distinguir a genuína autoestima da arrogância. Será que ter excesso de auto-estima pode ser um mal tão grande como ter baixa auto-estima? O que é auto-estima, afinal?

Ingrediente fundamental

Não deve ter sido por acaso que o homem responsável por levantar a bola da auto-estima tenha sido uma criança frágil e doente, daquelas que assistem impotentes às outras crianças brincarem enquanto esperam a cura de suas enfermidades. Nascido em Viena, em 1870, Alfred Adler chegou a ser desenganado pelos médicos após contrair uma pneumonia aos 5 anos de idade. Ele não apenas sobreviveu como se tornou, ao lado de Freud ¬ de cujas idéias iria se distanciar nas décadas seguintes ¬ um dos pais da Teoria da Personalidade. São de Adler conceitos como “complexo de inferioridade” e “complexo de superioridade”, usados hoje até para justificarmos a incapacidade da seleção brasileira feminina de vôlei de vencer as cubanas.

Mesmo que seus conceitos tenham se transformado em chavões, a conclusão do trabalho de Adler permanece fundamental: a essência da nossa personalidade estaria na luta pela superioridade e a auto-estima é um ingrediente fundamental para uma personalidade saudável. Daí que, quando nos sentimos muito desamparados ou impotentes, pensamentos normais de incompetência podem assumir proporções devastadoras, fazendo com que deixemos de acreditar que somos capazes de lidar com os desafios da vida. Pronto: estaria instalado aí o complexo de inferioridade. No outro extremo da corda, aquela pessoa que vive se jactando de seus feitos, exagerando suas qualidades com arrogância, pode, na verdade, estar em busca de uma compensação de algo que acredita faltar nela. Como escreveu em seu livro Desejo de Status o filósofo suíço radicado na Inglaterra Alain de Botton, a sede desenfreada por fama e influência pode não passar, na prática, de busca de amor. Ou seja: a luta desesperada por aparentar uma auto-estima elevada pode ser fruto do complexo de superioridade, o outro lado da mesma moeda cuja origem também residiria na falta de confiança em si.

Desde então, a falta de auto-estima passou a ser vista como o principal detonador dos distúrbios de personalidade. Sem auto-estima, tornamo-nos inseguros e vulneráveis ao abuso de drogas, distúrbios alimentares e até mesmo a nos tornarmos criminosos frios, incapazes de sentir qualquer compaixão pelo sofrimento alheio. No decorrer do século 20, milhares de artigos psiquiátricos e de sociologia mostraram como a maioria dos criminosos teriam sido crianças que tiveram a auto-estima destruída por diversas causas, sendo a mais importante ¬ e cruel ¬ o abuso sexual infantil. Livros sobre a “anatomia” de criminosos e adolescentes contraventores apontavam sempre para o mesmo alvo. Era preciso agir rápido e cedo. Na década de 1970, campanhas para desenvolver a auto-estima entre os jovens foram disseminadas nos Estados Unidos, associações de autoestima foram criadas e o incentivo à auto-estima passou a ser vista como solução para a diminuição de quase todos os males.

Tudo parecia correr bem, até que, nos anos 1990, alguns terapeutas colocaram em xeque essas campanhas, acusando-as de estimularem o nascimento de uma geração pedante e egocêntrica, tão narcisista e auto-indulgente quanto Paris Hilton. Para piorar a situação, esses pesquisadores passaram a argumentar que excesso de auto-estima seria também um traço comum encontrado em líderes de gangue, assassinos e estupradores. Quando a psicóloga Lauren Slater escreveu no jornal The New York Times, em 2002, o artigo “O problema com a auto-estima”, questionando toda essa celebração em torno do tema, a autoestima parecia ter passado, supreendentemente, de mocinha a vilã.

O que será que deu errado?

Auto-estima em baixa

O artigo de Lauren Slater apresentava os argumentos de pesquisadores como Nicholas Emler, da London School of Economics, na Inglaterra, e do psicólogo Roy Baumeister, da Universidade de Princeton. Para Emler, não há prova alguma de que pessoas com baixa auto-estima sejam mais incapazes que pessoas com alta auto-estima. Ao contrário: “Na verdade, pessoas com baixa auto-estima podem até superar seus pares, porque eles sempre dão duro na tentativa de alcançar suas metas”, afirma. Em compensação, adolescentes com auto-estima nas alturas estariam mais arriscadas a se tornarem delinqüentes ou racistas, já que o excesso desse sentimento os levaria a se sentir superiores. O psicólogo Roy Baumeister vai além e afirma que excesso de auto-estima seria, na verdade, um traço típico de líderes de gangue, assassinos e estupradores. Segundo ele, isso aconteceria porque pessoas com excesso de auto-estima tenderiam a ser agressivas quando têm o ego ameaçado.

No meio do debate, está em jogo tanto a definição da auto-estima quanto a própria dificuldade em medi-la. Até hoje, as formas mais recorrentes de detectá-la são por meio de questionários com perguntas simples sobre a imagem que temos de nós. Se você reconhece em si boas qualidades e tem atitudes positivas, a auto-estima é alta. Caso viva praguejando dos seus defeitos, é baixa. Simples, não fosse por dois detalhes. O primeiro é o fato de que pessoas egocêntricas e com complexo de superioridade costumam se avaliar positivamente nesses testes. O segundo é que uma pessoa confiante pode, constrangida em parecer arrogante, ter uma pontuação abaixo da média. Ainda que haja outras formas de se checar a auto-estima de alguém indiretamente ¬ quando uma pessoa responde um questionário sem saber de que se trata ¬ não há, é claro, nenhum instrumento preciso para medi-la. Para isso, nada vale mais do que procurar, com honestidade, qual a origem das idéias que fazemos de nós mesmos.

Vem de dentro

Até os 23 anos, a jornalista carioca Zara Costa acreditou que sua auto-estima daria uma guinada caso conseguisse perder os 40 quilos extras responsáveis por comentários como “ela tem um rosto tão bonito, mas...”. Dois anos depois, com 45 quilos a menos após uma dieta rigorosa e o corpo remodelado por uma cirurgia plástica, Zara alcançou parcialmente seu objetivo, tornando-se alvo de cantadas e virando, inclusive, personagem de uma reportagem sobre seu novo corpo para a revista Nova, em setembro de 2002. “Apesar de me sentir bem mais feliz com minha imagem no espelho, descobri, mais tarde, que minha auto-estima não dependia apenas da visão externa que eu e as outras pessoas tinham de mim”, diz Zara. “Por mais que tivesse a aprovação externa, precisei fazer terapia para me convencer do próprio valor.”

Zara descobriu por si algo com que todos os estudiosos sobre auto-estima, independentemente da linha terapêutica, parecem concordar: enquanto a genuína auto-estima torna a pessoa menos vulnerável a julgamentos externos, a “pseudo auto-estima” depende basicamente da admiração e da aprovação dos outros. O problema, nesse caso, é que, como os fatores externos não podem ser diretamente controlados por nós, quem se torna dependente dessa aprovação não consegue manter por muito tempo a confiança em si, oscilando entre picos de auto-admiração seguidos de abismos de autodepreciação. O resultado seria uma espécie de montanha russa emocional bastante problemática, que se move vertiginosamente ao sabor de qualquer crítica ou elogio. “Mas, como essa aprovação está sempre ameaçada, elas podem contra-atacar com agressão quando são criticadas”, escreveu o professor de psicologia da Universidade de Clemson, Robert Campbell, no artigo “Is High Self-Steem Bad for You? (Alta auto-estima é ruim para você?).
De acordo com Campbell, a genuína auto-estima exige uma boa dose de realismo e coragem para lidar com sentimentos indesejados como dor, impotência, vergonha e medo. E esse, definitivamente, não seria o caso de uma pessoa extremamente narcisista, cuja confiança em si estaria sempre vulnerável à aprovação da imagem fictícia que essa pessoa faz dela. Quando essa imagem não é reconhecida, surgiriam então os distúrbios de personalidade em forma de transtornos alimentares (anorexia e bulimia, por exemplo) ou mesmo em inesperadas explosões de violência.

Honestidade, enfim

Talvez seja por isso que, além de coragem e realismo para lidar com emoções negativas, outro traço fundamental da auto-estima é o sentimento de que somos responsáveis por nossos pensamentos e ações, fazendo com que possamos distinguir, com independência, nossos sentimentos autênticos daqueles que são oriundos do julgamento dos outros.

Na prática, isso não significa, contudo, que devamos ser frios a ponto de ignorar a crítica alheia. Afinal, como lembra o neurocientista Dylan Evans, autor do livro Emotion: The Science of Sentiment (“Emoção: a ciência do sentimento”, sem tradução brasileira), se fôssemos apenas racionais como o Doutor Spock, do seriado Jornada nas Estrelas, provavelmente não teríamos evoluído como espécie. “Algum grau de tristeza e desconforto diante de uma avaliação negativa é fundamental para que possamos melhorar como ser humano”, diz o neurocientista. O problema é quando essa tristeza se transforma num monstro paralisante que faz com que venhamos a acreditar que não vale a pena expor nossas idéias, nossos sentimentos e, em alguns casos, sequer viver ¬ nesse caso, é aconselhável buscar aconselhamento urgente de um psiquiatra, já que pensamentos suicidas podem ser tratados com a ajuda de antidepressivos.

No dia-a-dia, há quem acredite que existe, sim, um antídoto contra a perda de confiança em nós: honestidade. Quem nos dá um exemplo disso é o monge Tenzin Gyatso, o Dalai Lama, que, apesar de ser considerado um ícone da humildade, garante que não perde a confiança em si sequer quando frustra a expectativa de pessoas que esperam milagres. “O fato de eu perceber que não consigo realizar milagres não provoca uma falta de confiança porque, para começar, nunca acreditei que tivesse essa capacidade”, escreveu. “Quanto mais honestos, mais francos nós formos, menos medo vamos ter, porque não haverá nenhuma ansiedade quanto à possibilidade de sermos desmascarados ou expostos aos outros. Por isso, creio que, quanto mais honestos nós formos, mas autoconfiança teremos”, ensina, confiante.

Ou, como disse uma vez o escritor alemão Johann Wolfgang Goethe: “Um erro grave é tanto se julgar mais do que se é quanto se estimar menos do que se merece”.

Para saber mais
Livros:
• Teorias da Personalidade - Da Teoria Clássica à Pesquisa Moderna, Howard S. Friedman e Miriam W. Shustack, Pearson Prentice Hall
• Emotion: The Science of Sentiment, Dylan Evans, Oxford
• Desejo de Status, Alain de Botton, Rocco
Fonte: Revista Vida Simples

Nenhum comentário: